Torcidas Inclusivas: Como Elas Estão Transformando o Futebol Brasileiro com Orgulho e Resistência

Imagem de um estádio de futebol cheio, com torcedores segurando bandeiras nas cores do arco-íris, simbolizando diversidade e inclusão. No centro do gramado, jogadores formam um círculo, representando união e respeito. O ambiente é festivo e acolhedor.

O futebol brasileiro sempre foi um território de paixão, mas também de contradições. Enquanto os estádios fervem com cânticos e bandeiras, muitos torcedores LGBTQIA+ ainda enfrentam preconceito e exclusão. Nos últimos anos, porém, um movimento corajoso e colorido tem ocupado as arquibancadas: as torcidas inclusivas. Mais do que grupos de apoio aos seus times ou à Seleção Brasileira, essas torcidas são manifestações políticas, culturais e afetivas que vêm transformando o futebol em um espaço de resistência e pertencimento.

A exclusão no futebol brasileiro: raízes históricas de um problema estrutural

Antes de entendermos o impacto das torcidas inclusivas, é preciso lembrar que o futebol no Brasil foi construído sobre bases excludentes. Entre 1941 e 1979, por exemplo, as mulheres foram oficialmente proibidas de jogar futebol por um decreto-lei assinado durante o Estado Novo. O Decreto-Lei 3.199 alegava que determinadas práticas esportivas, entre elas o futebol, seriam “incompatíveis com a natureza feminina”.

Essa lógica de exclusão, centrada em uma ideia de virilidade e heteronormatividade, também marginalizou torcedores e atletas LGBTQIA+, ainda que de forma não oficial. Expressões homofóbicas tornaram-se normalizadas nas arquibancadas, e a presença de torcedores não conformes com o padrão dominante era vista como uma afronta. Esse histórico ainda reverbera nos estádios brasileiros, o que torna o surgimento das torcidas inclusivas um ato de resistência com raízes profundas.

Coligay: A pioneira que enfrentou a ditadura com glitter e coragem

A história das torcidas inclusivas no Brasil começa com a Coligay, criada em 1977 por Cláudio Nery, torcedor do Grêmio, em plena ditadura militar. Era um tempo em que a repressão e a homofobia eram explícitas — inclusive dentro dos estádios. Mesmo assim, Cláudio e seu grupo decidiram ocupar o Olímpico com muita ousadia, alegria e orgulho. Com figurinos chamativos e faixas irreverentes, enfrentaram o preconceito de torcedores rivais e até de dirigentes do próprio clube.

A Coligay funcionava dentro da torcida Geral do Grêmio e se manteve ativa por cerca de uma década. Apesar das ameaças e da violência verbal, o grupo conquistou respeito e marcou seu nome na história do futebol e da comunidade LGBTQIA+. Hoje, é considerada um símbolo de resistência e uma das primeiras manifestações organizadas de diversidade no futebol mundial. Sua história foi resgatada em documentários, reportagens e estudos acadêmicos — entre eles, o documentário “Coligay – O Grito Que o Futebol Calou”, do Canal Brasil.

A Coligay também inspira estudos acadêmicos e discussões contemporâneas sobre a relação entre futebol e diversidade. Pesquisadores como Victor de Leonardo Figols e Wagner Xavier de Camargo têm explorado o impacto dessa torcida no combate à homofobia estrutural presente nas arquibancadas e na cultura do futebol brasileiro.

Canarinhos LGBTQ+: Do amor pela Seleção à luta contra a LGBTfobia

Em 2018, nascia a torcida Canarinhos LGBTQ+, com o objetivo de apoiar a Seleção Brasileira e combater a LGBTfobia no futebol. O grupo surgiu como uma reação aos recorrentes episódios de preconceito nos estádios e ao apagamento da diversidade na cultura futebolística. Desde então, os Canarinhos têm ganhado notoriedade por suas campanhas criativas nas redes sociais, sua presença em jogos e sua postura combativa contra discursos discriminatórios.

A torcida mantém o site oficial canarinhoslgbt.com.br, onde divulga suas ações, manifestos e conteúdos educativos. Durante a Copa América de 2019, o grupo contou com apoio institucional da CBF para entrar no Maracanã com suas faixas e camisas, uma vitória simbólica num cenário ainda marcado pela intolerância.

Os Canarinhos também participam de rodas de conversa, entrevistas em veículos da grande imprensa e projetos educativos. São uma das principais referências quando o assunto é inclusão e diversidade no futebol brasileiro contemporâneo. Seu trabalho se estende para além dos estádios, atuando em escolas, centros culturais e em eventos esportivos, sempre promovendo o diálogo e o respeito às diferenças.

Torcidas aliadas e ações institucionais: clubes e federações começam a ouvir

Com o avanço do debate público sobre inclusão, alguns clubes e federações passaram a abraçar a causa. O Bahia, por exemplo, é um dos pioneiros: lançou em 2019 e em anos seguintes uniformes com as cores do arco-íris e já apoiou diversas campanhas de combate à LGBTfobia. O Corinthians também se destacou com ações realizadas em parceria com a ONG Mães pela Diversidade, inclusive usando faixas e iluminação temática no estádio.

O São Paulo Futebol Clube também tem promovido ações no mês do orgulho, com mensagens de apoio nas redes sociais e iluminação do estádio com as cores da bandeira LGBTQIA+. No Rio de Janeiro, o Vasco da Gama manteve sua tradição de luta contra a discriminação, e em 2023 promoveu campanhas em parceria com o Ministério dos Direitos Humanos.

A Confederação Brasileira de Futebol (CBF), que historicamente foi omissa, passou a apoiar institucionalmente os Canarinhos LGBTQ+ em algumas partidas, como em 2019 e 2021. Essas ações são vistas por especialistas como passos importantes, embora ainda tímidos, para romper com o histórico de silenciamento em torno do tema nas grandes entidades esportivas.

Essas ações dialogam diretamente com outras iniciativas históricas de clubes na luta por inclusão, como mostramos em nosso artigo sobre clubes que vestiram a camisa pela inclusão.

Novas formas de torcer: afeto e representatividade em campo

As torcidas inclusivas também vêm criando novas formas de torcer. Os gestos de carinho entre torcedores LGBTQIA+, o uso de bandeiras multicoloridas, os cantos adaptados com linguagem inclusiva e a organização de caravanas próprias são manifestações que transformam a lógica tradicional das arquibancadas.

Esses grupos desafiam a ideia de que o futebol é, por natureza, um território agressivo, viril e heteronormativo. Eles mostram que é possível torcer com orgulho, com afeto, com humor e com criatividade, sem precisar se esconder ou se adaptar a padrões excludentes.

A presença dessas torcidas também contribui para que novos públicos se sintam acolhidos a frequentar os estádios. Mulheres lésbicas, homens gays, pessoas trans e não binárias têm ocupado arquibancadas com mais confiança e segurança quando sabem que há um grupo ao qual podem se vincular. Esse senso de comunidade reforça o pertencimento e transforma o futebol em um espaço genuinamente plural.

Vozes da arquibancada: depoimentos que inspiram

“Sempre amei futebol, mas cresci achando que estádio não era lugar pra mim. Quando conheci os Canarinhos LGBTQ+, foi como se eu finalmente pudesse torcer sem medo. A camisa da Seleção passou a ter outro significado pra mim.” — André R., 28 anos, torcedor e ativista.

“A Coligay me ensinou que a luta por espaço no futebol não é de hoje. Eles abriram caminhos pra que a gente hoje possa ocupar com orgulho e sem se calar.” — Luiza Martins, pesquisadora e torcedora do Grêmio.

Depoimentos como esses ajudam a materializar o impacto dessas torcidas. São histórias de pertencimento, descoberta e resistência que humanizam a luta e mostram o valor de cada passo rumo a um futebol mais inclusivo.

Inspirando o mundo: torcidas LGBTQIA+ internacionais

O Brasil não está sozinho nessa caminhada. Torcidas inclusivas têm ganhado espaço também em outros países, fortalecendo um movimento global por um futebol mais diverso. A Proud Canaries, do Norwich City (Inglaterra), é uma das primeiras torcidas LGBTQIA+ reconhecidas oficialmente no Reino Unido. Já a Hertha Junxx, do Hertha Berlin (Alemanha), é referência na promoção de campanhas antidiscriminação desde os anos 2000.

Na Argentina, torcedores LGBTQIA+ também se organizam em coletivos, como o grupo Los P*tos de Siempre, que atua no apoio ao San Lorenzo e na luta contra o preconceito. Esses exemplos internacionais ajudam a construir redes de solidariedade e troca de experiências, inspirando novas formas de torcer e resistir.

Impacto nas novas gerações: futuro com mais diversidade

As torcidas inclusivas também têm um papel fundamental na formação de uma nova geração de torcedores e torcedoras. Crianças e adolescentes que crescem vendo faixas arco-íris nas arquibancadas, ouvindo cantos inclusivos e acessando conteúdos educativos nas redes sociais tendem a desenvolver uma relação mais empática e plural com o futebol.

Esse impacto não é apenas simbólico. Projetos de educação antidiscriminatória com base em iniciativas como a dos Canarinhos LGBTQ+ vêm sendo levados para escolas e centros comunitários. Ao dialogar com jovens, esses coletivos ajudam a romper ciclos de preconceito e a incentivar uma cultura de respeito desde cedo.

Obstáculos e violência ainda presentes nas arquibancadas

Apesar dos avanços, os desafios continuam enormes. O ambiente de estádio ainda é, muitas vezes, hostil à presença de torcedores LGBTQIA+. É comum relatos de olhares atravessados, insultos e até agressões físicas. A LGBTfobia está presente não apenas nos cantos e xingamentos, mas também em atitudes de conivência e silêncio por parte das autoridades esportivas.

Segundo dados do Observatório da Discriminação Racial no Futebol, a violência homofóbica ainda é subnotificada, mas se manifesta de forma intensa. Expressões pejorativas usadas por torcedores contra jogadores adversários são tratadas com naturalidade por muitos. Em 2022, uma reportagem da Agência Pública revelou como a LGBTfobia segue sendo ignorada pelos gestores de clubes e federações.

Além disso, muitos torcedores LGBTQIA+ relatam medo de frequentar estádios sozinhos ou sem apoio coletivo, principalmente em clássicos regionais ou jogos decisivos. A ausência de políticas claras de combate à discriminação e a impunidade em relação a casos registrados ainda representam entraves significativos para a criação de um futebol mais igualitário.

Redes sociais e mídia independente como ferramenta de resistência

Em meio a esse cenário, as redes sociais têm sido uma ferramenta poderosa para as torcidas inclusivas. Os Canarinhos LGBTQ+, por exemplo, estão presentes no Instagram, Twitter e TikTok, com postagens que misturam bom humor, críticas contundentes e pautas educativas. Utilizam as plataformas para denunciar casos de LGBTfobia, valorizar ações positivas de clubes e engajar torcedores na luta por igualdade.

Além disso, veículos de mídia independente como o PopGol, o Ludopédio, a Ponte Jornalismo e o Lado Bi têm dado espaço para essas histórias. Esses espaços ajudam a desconstruir estereótipos e a mostrar que futebol, representatividade e alegria podem (e devem) andar juntos.

Essas mídias também funcionam como canal de denúncia, articulação e mobilização. Através de campanhas, hashtags e ações colaborativas, conseguem pressionar instituições e expor casos de preconceito que muitas vezes seriam invisibilizados pela grande imprensa esportiva.

Para saber mais:

Conclusão: A arquibancada é para todxs

As torcidas inclusivas são muito mais do que grupos de apoio: são movimentos que reivindicam espaço, dignidade e visibilidade. Elas mostram que o futebol pode e deve ser para todxs, sem exceções. Ao ocuparem arquibancadas com bandeiras coloridas, cantos irreverentes e discursos de respeito, ajudam a romper com uma lógica excludente que ainda persiste.

Esses coletivos desafiam a lógica do medo, da vergonha e da invisibilidade que por tanto tempo afastou torcedores LGBTQIA+ dos estádios. Seu protagonismo transforma a experiência do futebol, ressignificando o que é torcer, celebrar, pertencer.

No PopGol, seguimos firmes no compromisso de dar voz a quem transforma o futebol em algo mais plural, humano e diverso. Porque a emoção de torcer só faz sentido quando todos têm o direito de vibrar com segurança e orgulho.

O futebol brasileiro é feito de paixão, sim. Mas, cada vez mais, ele precisa ser feito também de respeito, representatividade e amor em todas as cores.

⭐️🌈️⚽

Felipe

Eu sou o Felipe, palmeirense, apaixonado por futebol e criador do PopGol. Através deste blog, quero mostrar que o futebol é para todos, independentemente de orientação sexual ou identidade de gênero. No PopGol, compartilho minha paixão pelo esporte de uma forma que celebra a diversidade e promove o respeito à comunidade LGBTQIA+. Aqui, o jogo é mais que uma partida: é um espaço de inclusão, liberdade e muita diversão, onde cada gol é uma vitória do respeito.

1 comentário

Victor

O futebol sempre foi paixão, união e pertencimento. E agora, com as torcidas inclusivas, ele se torna ainda mais acolhedor e diverso! A mudança já começou, e o esporte que amamos está se tornando um reflexo de um Brasil mais respeitoso e plural. Nos gramados e arquibancadas, há espaço para todos. Porque torcer é celebrar a igualdade!

Publicar comentário