Futebol e LGBTQIA+ nos Games: A Inclusão no Mundo Virtual
O futebol é mais do que um jogo: ele reflete culturas, identidades e debates sociais. Mas, apesar de ser o esporte mais popular do mundo, sua relação com a comunidade LGBTQIA+ ainda é marcada por desafios. Dentro e fora dos gramados, o preconceito e a falta de representatividade afastam muitos torcedores, atletas e profissionais LGBTQIA+ do esporte.
No entanto, enquanto o futebol tradicional resiste a mudanças, o universo digital apresenta novas possibilidades. Os games de futebol, como EA Sports FC (antigo FIFA), eFootball e Football Manager, têm um impacto crescente na cultura esportiva e podem influenciar o debate sobre inclusão. Além de simular as competições reais, esses jogos moldam a percepção do público sobre o esporte e seu futuro.
Mas até que ponto os games estão contribuindo para a diversidade? Eles apenas refletem a realidade do futebol profissional, onde poucos atletas assumem publicamente sua orientação sexual, ou poderiam ser agentes ativos na promoção da inclusão? Neste artigo, exploramos o papel dos videogames de futebol na representatividade LGBTQIA+, analisamos os avanços (ou a falta deles) e discutimos como a indústria pode tornar o mundo virtual um espaço mais acolhedor para todos.
Representatividade LGBTQIA+ nos Games de Futebol
A presença LGBTQIA+ nos games de futebol é um tema que ainda engatinha. Enquanto outros gêneros de jogos avançam na representatividade, os títulos esportivos permanecem, em grande parte, presos a um padrão conservador. A ausência de jogadores assumidamente LGBTQIA+ nos principais games do gênero levanta um questionamento: isso é apenas um reflexo da realidade do futebol profissional ou uma falta de iniciativa por parte da indústria dos games?
A ausência de jogadores LGBTQIA+ nos games: reflexo ou omissão?
Os principais jogos de futebol, como EA Sports FC (antigo FIFA) e eFootball (Konami), utilizam contratos de licenciamento para representar jogadores e clubes do mundo real. Como no futebol profissional quase nenhum atleta LGBTQIA+ se assume publicamente, esses games acabam refletindo essa invisibilidade.
Por outro lado, jogos como Football Manager criam um universo mais dinâmico. Desde 2017, a simulação permite que jogadores fictícios (não os atletas reais) revelem sua orientação sexual ao longo da carreira. Esse recurso mostra que há espaço para abordar a diversidade, mesmo sem interferir nos contratos de jogadores reais.
A grande questão é: se os games refletem a realidade do futebol, não poderiam também incentivar mudanças? A indústria já demonstrou que pode agir ativamente em outras áreas, como o combate ao racismo e a inclusão do futebol feminino. No entanto, quando se trata da comunidade LGBTQIA+, o avanço é tímido.
Casos de inclusão: pequenas iniciativas, impacto limitado
Embora a presença de atletas LGBTQIA+ nos elencos oficiais ainda seja inexistente, alguns jogos deram passos modestos em direção à diversidade.
- Football Manager: O primeiro game de futebol a permitir que jogadores fictícios “saiam do armário”, promovendo discussões sobre a diversidade no esporte.
- FIFA/EA Sports FC: Algumas edições trouxeram campanhas sazonais em apoio à comunidade LGBTQIA+, como camisas temáticas do orgulho LGBTQIA+ no modo Ultimate Team. No entanto, essas ações são pontuais e pouco impactam o jogo em si.
- Volta Football (FIFA): O modo inspirado no futebol de rua permitiu a inclusão de clubes e jogadores fictícios que apoiam a diversidade, mas sem dar real protagonismo à comunidade LGBTQIA+.
Apesar dessas iniciativas, ainda há uma lacuna evidente: os games de futebol não oferecem uma verdadeira inclusão, apenas gestos simbólicos que não mudam a experiência do jogo em sua essência.
Modding e personalização: quando a comunidade faz o que a indústria não faz
Diante da falta de representatividade oficial, os próprios jogadores criam soluções.
- Criação de personagens: Nos modos carreira e clubes personalizados, jogadores podem criar atletas LGBTQIA+ e inserir suas próprias narrativas.
- Modding em Football Manager: Como o jogo permite a edição do banco de dados, usuários adicionam jogadores LGBTQIA+ fictícios para ampliar a diversidade.
- Ligas e times inclusivos: Grupos e comunidades organizam campeonatos virtuais que promovem um ambiente seguro para jogadores LGBTQIA+.
O fato de a inclusão LGBTQIA+ depender da iniciativa dos próprios jogadores mostra que a indústria dos games de futebol ainda não assumiu seu papel na construção de um ambiente mais diverso. Se o futebol profissional impõe barreiras à representatividade, os games poderiam, ao menos, ser um espaço mais aberto para mudanças.
A questão que fica é: os jogos esportivos continuarão apenas refletindo a exclusão do futebol real ou começarão a quebrar essa barreira?
Os Games Apenas Refletem a Realidade? Entendendo a Questão
A ausência de jogadores LGBTQIA+ nos games de futebol costuma ser justificada pelo argumento de que esses jogos apenas replicam a realidade do futebol profissional. Como poucos atletas assumem publicamente sua orientação sexual, títulos como EA Sports FC (antigo FIFA) e eFootball não incluem referências a jogadores LGBTQIA+ nos elencos licenciados.
Essa limitação tem fundamento, pois os jogos dependem de contratos de direitos de imagem para representar ligas e clubes oficiais. No entanto, essa justificativa levanta uma questão: isso significa que os games não podem promover a inclusão de nenhuma maneira?
Outros aspectos do futebol evoluíram nos games sem depender exclusivamente do que acontece no esporte real. O futebol feminino, por exemplo, foi introduzido em FIFA 16, antes mesmo de ter um grande espaço nos clubes e torneios de elite. Isso demonstra que os jogos podem impulsionar mudanças culturais no futebol sem necessariamente “forçar” representatividade.
Por que os jogos não têm jogadores LGBTQIA+?
A principal razão para a falta de representação LGBTQIA+ nos games de futebol é o licenciamento de atletas reais. Como poucos jogadores assumem publicamente sua orientação sexual no futebol profissional, os jogos simplesmente não têm nomes oficiais para incluir.
Mesmo assim, existem exceções. O Football Manager, por exemplo, adotou uma mecânica em que jogadores fictícios podem se assumir LGBTQIA+ ao longo da carreira. Essa abordagem respeita a realidade atual, mas também cria um espaço para a diversidade dentro da simulação. Esse tipo de iniciativa demonstra que é possível abordar a representatividade de forma orgânica, sem comprometer a fidelidade ao futebol profissional.
Existe espaço para inclusão sem “forçar” representatividade?
Mesmo sem incluir jogadores LGBTQIA+ reais, há diferentes maneiras de incentivar a diversidade nos games de futebol:
- Modos Carreira e Personalização: Os jogos já permitem que os jogadores criem seus próprios atletas e clubes. A inclusão de narrativas mais diversas, como um jogador criado poder se identificar como LGBTQIA+ e isso ser reconhecido no jogo, seria um passo natural para maior representatividade. Outros títulos esportivos, como NBA 2K, já incorporam histórias mais abertas em seus modos carreira.
- Clubes e Ligas Inclusivas: Existem times e competições amadoras e semiprofissionais formadas por jogadores LGBTQIA+, além de clubes profissionais que promovem a diversidade. Inserir esses elementos nos modos como Volta Football ou disponibilizar uniformes temáticos e escudos nos modos de personalização poderia ampliar a visibilidade da inclusão no futebol.
- Combate ao Preconceito e Toxicidade nos Modos Online: O ambiente online dos games de futebol é frequentemente marcado por comportamento tóxico, incluindo homofobia e insultos direcionados a jogadores LGBTQIA+. As desenvolvedoras poderiam adotar medidas mais rigorosas para coibir esse comportamento, aprimorando as ferramentas de denúncia e promovendo campanhas educativas dentro do jogo.
Os jogos de futebol não precisam simplesmente refletir as barreiras do esporte tradicional. Eles possuem o potencial de influenciar a cultura do futebol e criar um ambiente mais acolhedor, mesmo sem modificar os elencos licenciados.
O Comportamento da Comunidade e o Espaço Online
A experiência dos jogadores LGBTQIA+ nos games de futebol vai muito além da ausência de representatividade nos elencos oficiais. O ambiente online, especialmente nos modos multiplayer, frequentemente se torna um espaço de hostilidade, onde comentários homofóbicos e comportamento tóxico afastam parte da comunidade. A questão não se limita apenas à estrutura dos jogos, mas também à forma como os jogadores interagem entre si.
Toxicidade e preconceito nos games de futebol
Jogos como EA Sports FC (antigo FIFA), eFootball e Football Manager reúnem milhões de jogadores ao redor do mundo. No entanto, em modos online competitivos, como Ultimate Team, Pro Clubs e partidas ranqueadas, o ambiente pode se tornar agressivo.
Nos chats de texto e voz, expressões homofóbicas são comuns, muitas vezes usadas para atacar adversários, menosprezar jogadas ou insultar jogadores LGBTQIA+. Além disso, times personalizados em modos como Pro Clubs frequentemente são nomeados com termos ofensivos, reforçando um comportamento que perpetua o preconceito.
Essa toxicidade não é exclusiva dos games de futebol, mas se destaca em um gênero onde a cultura masculina tradicional do esporte se reflete no comportamento da comunidade. O medo de sofrer ataques faz com que muitos jogadores LGBTQIA+ evitem interações nos modos online ou optem por jogar apenas com amigos e grupos seguros.
Esforços para um ambiente mais seguro
As desenvolvedoras dos principais games esportivos adotam algumas medidas para combater o preconceito, mas os resultados ainda são limitados.
- Ferramentas de denúncia: Jogos como EA Sports FC e eFootball possuem sistemas para relatar condutas ofensivas nos chats e nomes de times personalizados. No entanto, a aplicação das punições é inconsistente, e muitos jogadores relatam que denúncias não resultam em ações efetivas.
- Palavras bloqueadas no chat: Alguns termos ofensivos são automaticamente filtrados, mas os jogadores frequentemente encontram formas de contornar as restrições, substituindo letras ou usando variações das palavras.
- Campanhas temporárias: A EA Sports já lançou eventos de conscientização sobre diversidade no futebol, como camisas temáticas do orgulho LGBTQIA+ no Ultimate Team, mas essas ações são superficiais e não afetam diretamente a moderação do comportamento dos jogadores.
Apesar dessas iniciativas, a toxicidade persiste, e o combate ao preconceito ainda depende, em grande parte, da própria comunidade.
Times e ligas inclusivas nos games
Diante da hostilidade presente no ambiente online, algumas iniciativas independentes tentam criar espaços mais seguros para jogadores LGBTQIA+.
- Times LGBTQIA+ em Pro Clubs e FIFA Clubs: Alguns grupos organizam equipes exclusivamente voltadas para jogadores LGBTQIA+ e aliados, oferecendo um ambiente livre de preconceito dentro dos modos online.
- Ligas e campeonatos inclusivos: Torneios voltados para diversidade têm sido organizados por comunidades gamer e até por clubes profissionais, promovendo um futebol virtual mais acolhedor.
- Influenciadores e criadores de conteúdo: Streamers e jogadores que defendem a diversidade ajudam a ampliar a discussão sobre a inclusão nos games de futebol, incentivando um ambiente menos tóxico.
O combate à homofobia e à toxicidade nos games de futebol ainda tem um longo caminho a percorrer. A mudança passa tanto pelas desenvolvedoras, que precisam aprimorar suas políticas de moderação, quanto pela própria comunidade, que pode transformar o espaço online em um ambiente mais inclusivo.
O Futuro da Inclusão nos Games de Futebol
Os games de futebol já passaram por diversas transformações ao longo dos anos, desde avanços gráficos até a inclusão do futebol feminino. No entanto, quando se trata da representatividade LGBTQIA+, a evolução ainda é lenta. O futuro dos jogos esportivos pode – e deve – ser mais inclusivo, não apenas para refletir uma realidade mais diversa no futebol, mas também para ajudar a impulsionar mudanças dentro e fora dos gramados.
Mudanças esperadas: o que os jogos podem fazer para aumentar a diversidade?
A inclusão nos games de futebol não precisa ser limitada pela falta de atletas LGBTQIA+ assumidos no futebol profissional. Há diversas formas de promover um ambiente mais diverso e acolhedor, sem comprometer a autenticidade da simulação esportiva. Algumas ações que poderiam ser adotadas incluem:
- Maior personalização no modo carreira: Permitir que o jogador criado possa expressar sua identidade e ter histórias mais diversas dentro do jogo. Isso já acontece em outros games esportivos, como a série NBA 2K, onde o modo carreira explora aspectos da vida do atleta fora das quadras.
- Representação de clubes e ligas inclusivas: Incluir times que promovem a diversidade no futebol ou oferecer uniformes e escudos de organizações que lutam contra a discriminação. Isso ajudaria a normalizar a presença LGBTQIA+ no esporte virtual.
- Ferramentas mais eficazes contra toxicidade: Melhorar os sistemas de denúncia e punição para comportamentos homofóbicos nos modos online, garantindo que jogadores LGBTQIA+ possam competir em um ambiente mais seguro.
- Narrativas mais inclusivas em modos alternativos: O Volta Football, por exemplo, poderia explorar histórias e personagens mais diversos, mostrando que o futebol vai além das barreiras impostas pelo esporte profissional.
Essas mudanças não apenas tornariam os jogos mais representativos, mas também ajudariam a criar um espaço onde jogadores LGBTQIA+ se sentissem incluídos e respeitados.
O impacto da representatividade nos games e no futebol real
Os games não são apenas entretenimento – eles moldam a forma como enxergamos o futebol. Quando o futebol feminino foi introduzido no FIFA, ajudou a aumentar a visibilidade do esporte e incentivou uma nova geração de jogadoras e torcedoras. O mesmo pode acontecer com a representatividade LGBTQIA+.
Se os games começarem a normalizar a diversidade de forma mais consistente, isso pode influenciar o próprio futebol profissional, reduzindo o estigma em torno da sexualidade dos atletas e incentivando um ambiente mais aberto. Além disso, jogadores e torcedores LGBTQIA+ podem se sentir mais representados, fortalecendo sua conexão com o esporte.
O que o público LGBTQIA+ espera dos games de futebol no futuro?
A comunidade LGBTQIA+ que joga videogames de futebol quer mais do que ações superficiais. Camisas temáticas no Ultimate Team ou campanhas temporárias são um começo, mas não substituem mudanças estruturais que tornem os jogos realmente inclusivos.
O público espera:
- Opções reais de representatividade nos modos de jogo
- Ambientes online mais seguros e livres de homofobia
- Ações concretas das desenvolvedoras para promover diversidade
Os games de futebol têm o potencial de serem muito mais do que apenas simuladores do esporte tradicional – eles podem ser uma ferramenta poderosa para a inclusão e a mudança social. A questão que fica é: as desenvolvedoras estão dispostas a dar esse passo?
Os games de futebol sempre carregaram a responsabilidade de simular o esporte mais popular do mundo. Mas, ao reproduzir fielmente a realidade, também acabam espelhando suas falhas. A exclusão de jogadores LGBTQIA+ nos videogames não é uma decisão arbitrária das desenvolvedoras – é reflexo de um futebol profissional que ainda não sabe lidar com a diversidade. A pergunta é: até quando os games vão se limitar a repetir essa narrativa, em vez de ajudar a transformá-la?
O argumento de que “não há jogadores assumidos, então não há como representá-los nos games” ignora o fato de que os jogos esportivos sempre tiveram o poder de impulsionar mudanças antes mesmo do futebol real. FIFA trouxe o futebol feminino para os consoles antes de ele ter o reconhecimento que tem hoje. A possibilidade de times fictícios femininos se enfrentarem em um FIFA 16 foi uma provocação necessária ao esporte real. Se isso já aconteceu, por que não pode acontecer com a representatividade LGBTQIA+?
A indústria já provou que pode escolher um caminho diferente. Football Manager, mesmo sendo um simulador extremamente fiel ao futebol real, encontrou uma forma de incluir atletas fictícios LGBTQIA+ sem quebrar sua imersão. Pequenos gestos, como campanhas sazonais em EA Sports FC, são simbólicos, mas ainda tímidos. O problema é que a inclusão ainda é tratada como um bônus cosmético, e não como uma parte fundamental da evolução do jogo e do futebol.
E se os games pudessem quebrar esse ciclo? E se, em vez de esperar pelo futebol profissional, eles liderassem a mudança? Criar mais narrativas inclusivas no modo carreira, oferecer times e ligas que já promovem a diversidade e combater com seriedade a toxicidade online não seria “forçar” representatividade – seria reconhecer que o futebol pertence a todos, inclusive no mundo virtual.
No final, a responsabilidade não é apenas das desenvolvedoras. A comunidade de jogadores tem um peso enorme nesse debate. Se o ambiente online dos games de futebol ainda é hostil para jogadores LGBTQIA+, é porque muitas vezes o preconceito é aceito como parte da cultura do jogo. Isso precisa mudar. E essa mudança começa com quem joga, com quem cobra, com quem não se cala diante da exclusão.
O futebol virtual pode ser um reflexo do futebol real. Mas também pode ser um vislumbre do futebol que queremos ver no futuro. Cabe às desenvolvedoras, às ligas, aos jogadores e à comunidade decidir qual dessas opções vai prevalecer.
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